segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Dia Seguinte

Fechei a porta do quarto e fui em direcção da cozinha. Matilde fumava um cigarro e Zeca bebia uma mini. Ambos estavam à minha espera e de ouvir a minha explicação. Entrei calada e sai muda. Fui para a sala e embrulhei-me na manta. Ouvi os passos de Matilde e de Zeca cada vez mais próximos. Matilde, surpreendeu-me com um salto para cima de mim.
-Então, o que foi aquilo?
-Nada.
-Mas tu ainda vais perguntar isso? Não viste o que eles iam fazer? Eu vi muito bem e não tenho dúvidas no que aconteceu ali. – Dizia Zeca – agora, a pergunta não é “o que foi aquilo” mas sim, então e agora?
-Agora nada. Somos só amigos.
-Maria, tu podes tentar enganar a Matilde mas a mim, nem vale a pena o esforço. Tu não ias para a cama com um gajo “qualquer”. Tinha que ser com uma pessoa que respeitasses e adorasses.
-Então diz-me Zeca, já que me conheces tão bem, achas que ao fim de duas semanas a Maria ia gostar dele? – Perguntei-lhe.
-Não sei, se queres que te diga para mim a Maria está confusa. Ela precisa de espaço e tempo para tomar decisões mas que o David não é apenas um simples amigo para ela, aí isso não é. Agora, podes contar o que se passa entre vocês os dois?
-Calma aí! Estou a ficar completamente fora da vossa conversa! Eu quero saber tudo, tin-tin por tin-tin, todos os pormenores, todas as coisas! Não apenas umas partes. Podes começar Maria!
Não havia volta a dar, tenho a certeza que se não dissesse nada, Matilde ia ficar chateada. Também sabia que iria acabar por contar a Matilde tudo por isso mais valia ser agora.
-Então, nós combinamos ir jantar fora como vocês sabem mas como estava tanto frio resolvi convida-lo até cá a casa. Ele trouxe vinho e acabamos por fazer umas caipirinhas e ficamos os dois quentinhos. Depois aconteceu o que vocês viram.
-Então e agora? – Interrogava outra vez Zeca. A preocupação dele não era o passado mas sim o futuro, o que vinha daqui para a frente.
-Agora? Não sei. Não temos nada mas… Eu não pensei no Diogo e continuo a não pensar. O David é simples, simpático, uma pessoa incrível que me surpreende todos os dias. Ele ocupou o meu coração de uma forma incrível e o meu maior receio é esse Zeca.
-O quê?
-Estar confusa e vir a magoar esta pessoa incrível. Não quero, eu não quero mesmo isso.
-Faz-me um favor, vai com calma. Bem, eu vou dormir, estou cansado e amanhã é dia de trabalho.
-Nem me digas nada, amanhã também começo eu.
-Então é mesmo melhor irmos todos dormir. Matilde, onde é que eu durmo?
-Na minha cama.
-Na tua cama? Aí Maria, um dia vais-me pagar por isto tudo. Juro que vais! – resmungava Zeca.
-Desculpa, não volta acontecer.
Zeca dirigiu-se para o quarto e não se ouviu mais nada a não ser a porta a bater. Matilde ainda estava sentada ao meu lado.
-O que sentes por ele?
-Não sei, não faço a mínima ideia.
Os olhos de Matilde olhavam para baixo, directamente para as mãos dela que estavam pousadas no seu colo. Sabia que ela me queria dizer algo, não sabia era o quê.
-O que se passa Matilde?
-Eu amo-te como uma irmã Maria, a sério que te amo. És uma parte da minha vida e não consigo viver sem ti. Há uns tempos atrás sentia que te estava a perder e sabes o que sinto agora? Que te estou a perder outra vez mas desta vez eu sinto-me feliz. Sabes porquê? Porque sei que vais ser feliz e que estão a roubar-te de mim num bom sentido. Sinto que o David vai ficar contigo e com todo o teu coração e que vocês vão ter uma relação forte. Tu podes estar confusa agora mas sei que no futuro vais deixar de estar. Por favor, tenta ser paciente e não estragues tudo logo no inicio.
Acenei com a  cabeça, não fui capaz de dizer nada. A maneira como Matilde tinha dito aquilo tinha me deixado arrepiada. Não foi algo pensado mas sentido. Matilde deu-me um beijo e foi-se deitar no quarto de Zeca. Como Zeca, não se ouviu mais nada apenas a porta a fechar. A casa estava em silêncio e havia tanto para dizer. Algumas pessoas teriam ficado com remorsos do que aconteceu mas eu não, sentia-me bem, leve. Deixei-me dormir pouco tempo depois com o meu pensamento no que se tinha passado naquela noite. No dia seguinte, acordei com o toque do telemóvel. Eram oito da manhã, Zeca já tinha saído e Matilde estava pronta para sair.
-Bom dia. – disse-lhe. Ela com um sorriso, veio ter comigo.
-Já estou atrasada. Bom dia.
-O David?
Matilde olhou para mim e sorriu, agarrou nuns cabelos meus que estavam na frente da minha cara e pôs atrás da orelha.
-Está no quarto, ainda está a dormir. A que horas chegas do trabalho?
-Às cinco e meia acho, porquê?
-Vamos ao cabeleireiro. Bem, vou ter mesmo que ir. Vê lá o que fazes! Juizo!
-Sabes bem que sim.
Levantei-me e corri para o quarto, bati à porta mas ninguém me respondeu. David estava mesmo ferrado no sono, abri a porta lentamente e ele lá estava, deitado de barriga para baixo com a cabeça na almofada virada para o lado direito. Respirava levemente,  abaixei-me e coloquei-me a seu lado, não resisti e dava-lhe suaves carícias na cara.
-Gostava de dizer com todas as minhas forças que não te amo mas quando estou em teus braços tudo muda e eu não sei o que fazer. O teu toque faz-me bem e adorei ver o teu sorriso parvo de ontem, mesmo assim continuo confusa sem saber o que sinto mas porque é que as minhas pernas tremem quando estamos juntos?
Encostei a minha cara à cama e fiquei a olhar para aquele cenário. Reparei em todos os detalhes da sua cara. Os caracóis, uns que eram mais perfeitos do que os outros e que estavam todos num desalinho completo, o queixo de homem, lábios perfeitos cor de rosa, ao nariz grande e estreito, as orelhas pequenas, as sobrancelhas arranjadas e mesmo a dormir os olhos de David pareciam cansados. Não encontrava só qualidades em David mas também defeitos. Ninguém era perfeito. Mas a verdade é que, a cada dia que passava, mais me sentia ligada a David e mais ele me irritava. Embora tivesse defeitos no físico era perfeito na personalidade. Tentava encontrar algum tipo de defeito nele mas nada. Apenas perfeito. Não resisti em dar-lhe um pequeno beijo nos seus lábios. Ele sorriu.
-Bom dia meu amor. – disse-me.
-Maria.
-Hã?
-O meu nome é Maria.
-Como você quiser, veio se deitar à meu lado?
-Não, vim-te acordar porque não quero chegar atrasada ao meu primeiro dia de trabalho.
-Gostava de ficar aqui com você…
-Sim, mas não pode ser. Anda, eu vou preparar o pequeno-almoço enquanto tu tomas banho.
-Não tenho roupa interior.
-Eu arranjo solução. Vai lá tomar um banho que eu já te dou uns boxers.
-Não vou vestir coisas usadas!
-Não é usado, é novo. Mas vais ter que comprar uns depois porque era uma prenda.
-Para quem?
-Para o meu irmão. Vá, despacha-te que eu também preciso de tomar banho.
Fui a correr para a cozinha, não sabia o que fazer. Coloquei a mesa e pus cereais, sumo de laranja, leite, pão, a torradeira caso ele quisesse torradas, um bolo que a Matilde tinha trazido na noite passada, manteiga, fiambre, queijo e mortadela. Ele haveria de gostar alguma coisa destas.
-Maria! Maria, vem cá!
David chamava-me na casa de banho, devia ser por causa dos boxers. Agarrei na prenda embrulhada que era para Tiago e fui para a casa de banho. Bati à porta.
-Posso entrar?
-Sim, pode.
David estava com uma toalha embrulhada à cintura, tronco molhada e com os caracóis a pingar. O vapor estava em toda a casa de banho, o espelho estava embaciado e eu estava de calções e uma camisa de alças vermelha. Fiquei meio boquiaberta com aquela “paisagem”. David agarrou na minha mão e puxou-me para dentro da casa de banho. Olhou me nos olhos, as gotas que caiam do seu cabelo molhavam-me. Não resisti em beija-lo, quem podia resistir? Deixei a prenda cair e agarrei-me a David. Agora não estava bêbeda, nem confusa. Era aquilo que queria, estar ao lado dele naquele momento e mais nada. Algo me atordoava a cabeça, “pode ser só atracção física”, dizia o meu subconsciente. Parei de o beijar e afastei-me, baixei-me e agarrei na prenda onde estavam os boxers.
-Toma, está aqui.
-Que se passa?
-Não quero David.
-Não?
-Não. Com calma foi o que me disseste ontem, certo?
-Desculpa... – David abriu a prenda e tirou os boxers com uma cara de desagrado. Agarrou apenas num bocadinho dos boxers e mostrou-me. – Você quer que eu vista isto? Está falando a sério?
-Só há estes novos. Agora, ou usas ou vais sem nada.
-Pronto, pronto. Eu uso isto. Queria ver se você usava umas cuecas do Sporting!
-Eu não. Deus me livre. Que horror! Vá, despacha-te, não quero chegar atrasada.
Saí da casa de banho e deixei ele vestir-se. A melhor coisa da casa da Matilde é que era quentíssima. No inverno podíamos estar “à Verão” dentro da casa. David chegou e olhou para a mesa. Perguntou se ia haver festa, a verdade é que não sabia o que ele gostava, então foi tudo para a mesa. Conversamos enquanto tomávamos o pequeno-almoço, ele falou-me dos seus gostos, da sua família, da vida no Brasil. Ouvi atenta ao que ele me dizia, a todas as suas palavras.
-Então e a tua namorada?
-A minha namorada? Quem?
-A tua namorada do Brasil.
-Ex-namorada quer você dizer…
-Sim, isso.
-O que quer saber?
-Como é que ela reagiu ao saber que tu ias embora do Brasil?
-Ela reagiu mal, não é. Mas apoiou.
-E acabaram por causa disso?
-Sim… Porquê essas perguntas?
-Nada.
-Que se passa Maria…?
-Não me quero aproximar de ti por causa disso, não dessa… desta forma. Alguém vai sair magoado.
-Isso nunca vai acontecer.
-Vai sim. Se aconteceu com a tua ex-namorada, que já tinham uma relação estável e duradoura, imagina comigo.
-O amor sobrevive a tudo.
-É mentira. O amor é forte mas às vezes os ciúmes e a tentação é maior.
-Não! A isso não se chama amor mas sim a uma espécie de sentimento de adoração. O amor é para sempre, nunca desaparece. Nem o tempo é capaz de destruir o amor.
-Não quero discutir contigo. Tenho que me ir vestir e despachar para ir trabalhar…
-É altura de eu me ir embora, não é?
-Sim, verdade. Mas antes, quero-te dizer uma coisa. - Fiz um gesto com o dedo para ele se aproximar e eu própria me aproximei. - Não te esqueças do negrão enorme que tens no pescoço.
-Como é?

3 comentários: