segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Casa, doce casa

David despediu-se de mim com um pequeno beijo nos meus lábios, estava visivelmente feliz quando fui tomar banho. Faltava pouco mais de quarenta e cinco minutos para me apresentar ao trabalho, tinha que me despachar. Vesti algo mais elaborado pois ia apresentar o estádio a pessoas não só do Benfica como de outros clubes e até de outros países. Tinha que ser o mais profissional possível mas claro sem nunca perder a elegância. 


Quando cheguei ao estádio, fui directa à porta 18. Lá estava um senhor, o mesmo a quem eu tinha entregado o currículo.
-Bom dia, eu sou Maria. Fui…
-A nossa nova guia eu sei. O meu nome é Eduardo Peçanha. Venha… - Eduardo era um homem de 40 anos, estava vestido como se fosse para uma gala e tinha rugas em toda a cara. Era um homem extremamente magro mas a velhice não lhe passava ao lado. Encaminhou-me para perto de uma rapariga – Esta é a Eunice, ela vai-lhe dizer o que fazer. Eunice, não se esqueça que hoje faz as visitas.
-Sim Sr. Peçanha. – O Sr. Eduardo Peçanha despediu-se com um acenar da cabeça e saiu do escritório onde nós estávamos. – Olá, eu sou a Eunice, coordenadora das visitas ao Estádio da Luz, tu deves ser a Maria, certo?
-Sim, sou. Desculpa, mas aquele senhor é?
-É o Chefe aqui deste local.
-Ah, obrigada.
-Então olha Maria, hoje vai ser um dia soft. Vou mostrar-te o estádio e dar-te os textos que tens que saber. Vamos?
-Sim, claro.
Eunice apresentou-me os cantos ao estádio ou como ela dizia “os cantos à casa”. Embora o Estádio da Luz para mim fosse como isso mesmo, uma segunda casa, nunca pensei que fosse assim tão grande. Dei uma volta ao Estádio completa pelo piso um, passei pelo Eusébio Gold Exhibition, Museu do Benfica, Benfica TV e Tribuna Presidencial. Desci as escadas para o piso zero e fui até à Sala de aquecimento, onde os jogadores aqueciam antes de ir para o relvado. Depois pelo Balneário dos visitantes, Sala de Conferência de Imprensa, o Túnel dos Jogadores e finalmente pelo relvado e o Banco dos jogadores do Benfica.
-E que tal, gostaste?
-Adorei, é lindo. Já tinha vindo cá mas… O Estádio ainda é maior! Vai crescendo ao longo dos anos? – Eunice sorriu, era uma rapariga simpática. Ela devia de ter os seus 35 anos.
-Então diz-me, como conheceste o David?
-Como?
-Sim, toda a gente sabe que conheces o David Luiz. Afinal de contas, tu estás aqui por causa dele.
-Como assim?
-Ele deu um jeitinho na escolha dos candidatos.
De repente senti um sentimento de raiva a encher-me o coração. Apetecia-me fazer como os comboios, expelir fumo pelas orelhas.
-Eu não conheço David Luiz nenhum. David conheço muitos! Agora Luiz não.
-Muito bem, se não quiseres contar… Mas ele é muito simpático.
-Conhece-o?
-Não, mas já ouvi dizer. Ainda por cima solteiro! É o rapaz de ouro aqui do Estádio, todas as mulheres estão de unhas afiadas nele. É preciso ter cuidado.
“Muito me contas Eunice, muito me contas”, pensei. Desta não sabia. Cunhas, Unhas afiadas. Bem… Que bom início de dia. Depois da minha visita ao estádio fomos almoçar à catedral da cerveja. Toda a gente estava bem vestida e todos pareciam ricos. Eu não tinha dinheiro para pagar um almoço ali, de certeza que não! Eunice disse para me acalmar porque não tínhamos que pagar, o gerente da Catedral da Cerveja era namorado de Eunice e iria almoçar connosco. Ao menos isto era cunhas em todo o lado. A meio do almoço apareceu um grupo de 5 mulheres muito bem vestidas. Eunice contou-me que elas eram as “pop-stars” do Benfica. Estavam na SAD pois tinham cunhas para tal e não faziam nada da vida. Estas é que eram as águias de unhas afiadas que estavam prontas para atacar David. Três loiras, duas morenas, as loiras tinham ambas o cabelo esticado e as morenas tinham o cabelo encaracolado, mas como se tivessem acabado de sair do cabeleireiro. Senti-me vigiada o resto do almoço como se aquelas cinco soubessem já quem eu era sem eu sequer me ter apresentado a elas. Quando acabamos de almoçar voltamos à porta 18, o meu futuro local de trabalho.
-Então é assim Maria, esta papelada toda tens que a saber de cor. – Disse Eunice passando para as minhas mãos 5 folhas A4 escritas de alto abaixo. – Há visitas às dez, onze, doze horas, duas e meia, três e meia e quatro e meia da tarde. Em Maio começa haver uma às cinco e meia. Amanhã tens que estar aqui mais ou menos às nove horas. A partir dessa hora começa haver pessoas a querem comprar bilhetes e nós abrimos a bilheteira às nove e meia. Embora eu esteja aqui quase sempre é melhor vires a essa hora. Hoje, vens ver comigo uma visita que é para te ambientares ao Estádio e aos caminhos e depois eu deixo-te andar por aí à vontade para aprenderes os caminho, ok?
-Sim, sim, claro.
-Quantas línguas sabes falar?
-Então, sei Inglês, Espanhol, Italiano e um pouco de Francês e Alemão.
-Boa, és poliglota! Isso dá muito jeito!
-Não, apenas gosto de línguas e dá sempre imenso jeito.
-Muito bem… Agora vou-te ensinar a retirar bilhetes. – Eunice explicava-me e eu permanecia a pensar nas cunhas e nas unhas afiadas. O sistema era bastante simples, quase como o do metro. Eunice, visivelmente satisfeita, sorriu-me. – Parabéns Maria! Aprendes rapidamente!
-Obrigada… - Eunice abriu a pequena porta do balcão para passar para o outro lado. Era altura de abrir para as pessoas começarem a comprar os bilhetes. – Eunice, ainda não abras… - Eunice que já tinha aberto um pouco da porta voltou a fechar. – Quantas pessoas sabem que eu conheço o David?
-Querida, não te preocupes. Só algumas sabem…
-Eunice, podes-me dizer, quantas?
-Então, são poucas. Aqui as pessoas sabem, os da porta 1 sabem, os da BenficaTV sabem, os da SAD sabem. Bem, a vossa relação aqui é pública quase.
-Relação? Que relação?! Não existe nada entre nós! Eu conheço ele é um facto mas somos amigos! E ele por pena de mim quis dar um empurrãozinho no meu trabalho, está-se mesmo a ver. – Eunice volto a sorrir, como se quisesse dizer alguma coisa mas não dizia. Irritava-me profundamente.
O tempo foi passando e sem dar por isso já estava no final da visita ao estádio do grupo das duas e meia. Eunice encaminhou o grupo para a saída e voltou-se para mim.
-Bem, agora estás a vontade. Dá umas voltinhas, visita o estádio, faz o que quiseres. Quer dizer, com os seus limites sabes bem. Eu vou trabalhar. Até amanhã!
-Até amanhã Eunice!
Sentei-me numa das cadeiras do piso 0 e fiquei a deslumbrar o Estádio. O meu telemóvel tocou pouco depois, só de imaginar se isto acontecesse numa visita. A música não era má por si, triste, mas bonita como todas as músicas dos “The Script”. Não era fã da banda mas tinha um carinho especial pela música “For the first Time”. Olhei para o ecrã, era o David.
-Sim?
“Sim, Maria. Onde é que você está?”
-No Estádio. Porquê?
“Estou cheio de saudades suas”
-Sim, claro. Precisamos de ter uma conversinha.
“Também acho. Sabe onde fica o balneário dos jogadores?”
-Sim, sei. Passei por lá à bocado.
“Vem cá ter”
-O quê? Estás doido? Nem penses!
“Porquê?”
-Não quero que ninguém nos veja juntos neste Estádio!
“Para além de boxers do lagartos, só posso estar junto com você lá?”
-Não! Nem lá, nem aqui, nem em lado nenhum!
“Está bem, se não quer. Não venha. Sabe aquele ditado “Se o Maomé não vem à montanha, a montanha vem a Maomé?”
-Tu nem penses…
“Porta 18 não é?”
-Eu não estou aí! Toma! Continua a procurar-me!
“Não é preciso você estar aí, eu pergunto à alguém que esteja lá. Se for preciso vou pedir à alguém na Benfica TV para fazer um comunicado em directo, do género “Maria, onde está você meu amor?””
-Já te disse que o meu nome é Maria!
“Então, Maria, vem ter comigo ao balneário?”
-Sim, está bem, eu vou!
Desliguei chateada, David tinha um poder de manipulação enorme em mim e eu não gostava disso.


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