terça-feira, 22 de março de 2011

Novembro - Parte II

O meu coração acelerou, as minha pernas tremeram. Senti uma vontade enorme de fugir dali.
-Maria, está-se a sentir bem?
-Desculpe, você disse grávida?
-Sim, grávida. É motivo de felicidade.
-Não. – A respiração tornou-se ofegante – Por favor, não diga a ninguém. Ninguém pode saber disto.
O médico, meu consternado com toda a situação acenou com a cabeça. Não entendia o porquê da minha reacção. Nunca fui de fugir a problemas. – O que vai dizer à sua família?
-Diga qualquer coisa. Diga que preciso de uma semana de descanso, que isto era um esgotamento nervoso.
-Muito bem… - O médico permaneceu em silêncio mas de seguida, não resistiu a perguntar. – Maria, se a relação é séria, porque não quer o bebé?
-Tenho medo. – O médico sorriu e voltou a discursar.
-Um filho é uma grande responsabilidade mas para uma pessoa como a Maria, que já lutou contra o cancro…
-O meu filho pudera ficar sem a mãe a qualquer momento. O meu filho terá uma vida complicada, eu nunca conseguirei amamentar o meu filho.
-E o que pensa fazer? Abortar?
-Não. Não sou capaz. É a vida de uma pessoa que está dentro de mim.
-Maria… Esse seu filho vai nascer feliz, e vai ter muita sorte em ter uma mãe como você. Não pense assim.
-Obrigada Doutor. Pode-me receitar alguma coisa para os enjoos?
-Posso arranjar-lhe algo muito de leve. Não pode tomar coisas que influenciem a saúde do bebé.
-Sim, claro.
-Não se esqueça. O seu sistema imunitário não está a 100%. Qualquer problema, físico ou psicológico pode deita-la a baixo.
-Eu sei doutor. – Passou-me uma receita médica e a minha mãe voltou a entrar dentro do consultório. Explicou-lhe que a vida de estudante era muito complicada para uma pessoa que tinha sofrido de cancro, que precisava de tempo para recuperar. Voltei para casa, com um sorriso amarelo. O David ligou-me três vezes, não lhe atendi nenhuma. Pedi a Matilde para falar com ele, para lhe dizer que estava doente mas que já tinha ido ao hospital. Em vez de melhorar a situação, tudo isto fez com que David ficasse ainda mais preocupado. Ele sabia muito bem que não era por causa de uma constipação que ia parar. O dia passou e quando acordei de manhã, não resisti em olhar para o espelho. Vi a minha barriga, que embora pequenina, já se notava. Parecia uma gordurazinha pendurada na barriga mas era uma vida. Uma vida que estava a nascer dentro de mim.
-O teu pai… O teu pai é o David. Ele joga para o maior do mundo. A tua mãe… É uma rapariga citadina normal. Tive alguns problemas durante a minha vida mas quem não os teve? Quero que sejas feliz, quero que sejas uma criança normal. Não quero pressões sobre ti. – Fiz uma curta pausa, as lágrimas já me escorriam pela cara – O que faço? Digo a verdade ou escondo-a de todos? – Ouvi a minha mãe a bater a porta. Rapidamente puxei a camisola para baixo e limpei as lágrimas.
-Maria, já estás acordada?
-Sim mãe. E já me sinto melhor. Vou agora tomar um banho, já vou ter contigo.
-Tens a certeza que está tudo bem?
-Está tudo óptimo. – Evitei o contacto visual, os meus olhos estavam vermelhos e ela sabia que eles só ficavam assim por andar a chorar. Hoje, tinha acordado com algumas dores no corpo. Nas costas, nas pernas. Não era habitual. O médico tinha-me dado uns comprimidos muito leves contra tonturas e enjoos. Matilde tinha dormido na casa da mãe dela, qualquer coisa bastava subir um andar. David voltou a ligar e desta vez atendi.
-Maria, que se passa? Está tudo bem? A sua mãe ligou para o seu pai e disse que você tinha que estar de repouso. O que se passa, conta para mim… - David falava tão rápido que até era complicado perceber as palavras que ele dizia.
-Calma… Não posso falar por aqui mas não te preocupes, está tudo bem. Foi só cansaço.
-Se foi só cansaço, porque não pode falar logo? – David percebeu algo de errado na minha voz.
-Porque… David, preciso de ter uma conversa séria contigo, mais nada. Mas agora pronto, já chega. Diz-me, como está a correr a visita ao Porto com o meu pai?
-O seu pai está bem, o seu irmão está um bocado de parte. Ele diz que é muito vermelho para ele mas o seu pai está adorando. Principalmente porque pode falar com o Shéu. Se você visse, o Shéu adora seu pai, eles fartam-se de falar de coisas muito antigas que ninguém se lembra. Nem o próprio do Rui Costa acredita?! Há coisas muito lindas na história do Benfica e nenhum de nós sequer imaginava.
-Uí… Vocês devem estar a receber lições de história como o meu pai me dava. Ele obrigou-me a ver os jogos da Champions dos anos 1961 e 1962, sabias?
-Ele já contou aqui a gente. Disse que você ficou muito chateada por estar a ver jogos a preto e branco mas que, quando era golo festejava como se fosse nos jogos de agora.
-É… Ele tem razão até.
-Ele tem muito orgulho em você, na pessoa que você se transformou, na Benfiquista que é.
-Eu sei. Quase tudo graças a ele. Agradeço imenso por ter  um pai como ele.
Passamos mais meia hora a falar, o tempo com David não era problema. Passava, passava e passava sem darmos por nada. Só desligamos porque ele tinha que ir almoçar e provavelmente não iria voltar-me a ligar. Fiz o mesmo que David e fui também almoçar. Éramos só as duas, já não me lembro da última vez que almocei a sós com a minha mãe. Depois do almoço, voltei-me a deitar e só voltei acordar quinze minutos antes do jogo. Agarrei no telemóvel e apressei-me a escrever.

“Amo-te David, lembra-te sempre disto. Há coisas que nunca mudam.
Boa sorte para o jogo.”

Demorou um pouco até chegar a resposta mas a sete minutos do inicio do jogo, David respondeu.

“Também te amo Maria, espero que a nossa relação nunca mude. Estou muito preocupado com você… Tenho um pressentimento que o jogo não vai correr bem. Beijo grande, te amo.”

As lágrimas voltaram-me a cair da cara, não sabia bem porquê. Talvez fosse o meu lado sentimental a chamar. Mandei-lhe outra mensagem.

“Eu estou bem, estou óptima. Não te preocupes comigo. Se jogarem com coração e amor ao emblema que têm na camisola, vai correr tudo bem. Lutem com garra, sintam a mística. O Benfica é mais que um clube, é uma religião. Se caírem, levantem a cabeça e não desistam. Continuam a lutar! Só assim irão conseguir o vosso objectivo.”

David não me respondeu mais, o jogo deu-se e o pior construiu-se. Tentei ligar-lhe, vezes e vezes sem fim mas a resposta era sempre a mesma, “Chegou ao voice-mail de…”. Preocupava-me esta reacção de David. Quando já eram perto das quatro da manhã ainda estava acordada, há espera de qualquer resposta, fosse o que fosse. Tentei ligar-lhe mais uma vez antes de me ir deitar. Aí, David atendeu.
-Amor… Estava tão preocupada contigo. Como estás?
-Maria, não me apetece falar agora. Cheguei à casa e estou cheio de fome. Amanhã a gente pode falar?
Aquela ignorância de David deixava-me pasmada. Compreendia o porquê de David estar assim, e se não compreendia mas não estava à espera que fosse assim tão abrupto.
-Sim, claro. Amanhã falamos. Beijinhos, amo-te.
-Até amanhã. – E desligou-me o telemóvel. Sem mais nenhum tipo despedimento. Apenas com um “Até amanhã”. Pouco consegui dormir nessa noite, acabei por acordar às seis da manhã sobressaltada. Um pesadelo tinha-me assustado bastante, estava transpirada e a respiração era rápida e irregular. Era demasiado cedo para sair de casa, ou até para ir ter com David. Esperei até às oito da manhã, quando Matilde começou-se a mexer. Tomei um pequeno almoço com ela e depois de sair, saí eu, para ir ter com David.
-Bom dia, abres-me a porta da tua casa? Precisamos de falar.
-O que está aqui fazendo? Eu ia ter com você… Mais logo.
-Precisamos de falar agora. – Respondi-lhe. Pareceu-me que queria esquivar-se à conversa. A porta abriu passado uns segundos e eu desliguei a chamada. Quando cheguei ao andar de David, ele esperava-me à porta de boxers.
-Bom dia meu amor. – Disse-lhe. Dei-lhe um leve beijo nos lábios e fui igualmente correspondida. Já passavam das dez horas, não podia resmungar de ser tarde. Tinha-me atrasado pois tinha ido buscar um pequeno-almoço para ele. – Tenho pão quente e croissants. O que vais querer? – Entrei directamente para a cozinha, sem pedir licença. Esperava um pedido de desculpas mas David manteve-se silêncio. Apenas respondia como queria o seu pequeno-almoço. Quando estava já farta daquelas respostas apáticas, parei de cortar o croissant e voltei-me para ele. Respirei bem fundo para não arrebentar de fúria. – Não tens nada para me dizer?
-Sim, até tenho. Tomei uma decisão.
-Decisão? Que decisão?
-Vou sair do Benfica. Está na altura. O Chelsea tem uma boa proposta por mim, eu já não ajudo a equipa, não sinto que estou a dar 100% à equipa. É altura de ir.
Da minha boca nada mais saiu. Voltei-me para a bancada da cozinha e continuei a fazer o croissant misto que David me tinha pedido. Fazia força para não chorar, não queria acreditar que David me tinha dito aquilo. Uma derrota e ele queria sair do clube. Um ano mal agendado, uns obstáculos colocado no percurso e David estava a desistir. O que iria fazer ele em relação ao nosso filho?
-Maria, se eu for… Você vem comigo?
As palavras de David caíram que nem uma bomba. Ir com o David agora, fosse para onde fosse era impossível. Enquanto há bocado tentava não chorar, agora era impossível. As lágrimas vertiam dos meus olhos sem pedir licença. David pôs-se do meu lado e agarrou-me de forma intensa, na verdade só conseguia sentir a força, nada de segurança.
-Tu não podes fazer isso. – Fiz uma curta pausa. Nem sabia o que dizer. Não poderia dizer que ele iria ser pai e tinha que ficar em Portugal por causa disso, não. Tinha que entrar de uma forma mas bruta, agressiva, demonstrar a David como ele estava errado. – E há mínima dificuldade, foges? Este clube… Deram tudo por ti e tu bem que disseste isso. Tens feito jogos dignos de jogadores de terceira divisão. Até o Fábio Júnior passa por ti, na Luz! Não sei o que se passa mas é a verdade e eu não posso esconder mais a verdade. Se tivesses noutro clube, como esse Chelsea, que dizem ser um grande clube mas eu acho uma grande merda, até marcavas golos. O que se passa? O que mudou do David do ano passado para o David deste?
-Você só pode estar gozando. Eu dou tudo por tudo em campo! Também tenho o direito de crescer como jogador, de jogar em outras ligas e de ter possibilidades de ganhar a Champions. Aqui no Benfica não posso ganhar a liga dos Campeões, no Chelsea… - Nem o deixei terminar.
-Sabes porque raio no Benfica não podes ganhar a Liga dos Campeões? Porque os jogadores têm essa mentalidadezinha da treta. “Benfica foi um grande clube, agora é um grande clube de Portugal”. Benfica é, e será sempre um grande clube. E sabes que mais? O Chelsea é um clube que não tem grandes possibilidades de ganhar a Liga dos Campeões. A Liga dos Campeões é só para os melhores clubes da Europa.
-E me vai dizer que o Chelsea não é dos melhores clubes da Europa?
-Não! Por amor de Deus, têm um Russo gordo e multimilionário e dar os milhões que quiserem ao clube e ainda só ganharam três ou quatro campeonatos nacionais… Para mim, esse clube é digno de um quinto lugar. O dinheiro dava-se a instituições de caridade, muito melhor.
A conversa tomava agora outras proporções, a voz calma agora era irritada, irónica e às vezes alta demais.
-Você sabe o quanto eu quero iniciar aquele projecto no Brasil. Com o dinheiro que ganho no Benfica não dá. Preciso de ir para outro clube, de crescer, de… De ganhar mais coisas do que ganho aqui. No Chelsea nunca ia perder contra o Porto!
-Se jogassem todos tão bem como jogaram ontem contra o Porto, “Oh darling, yes!” – Dizia, imitando um filme antigo que tinha visto na passada quarta, com David. Era romântico. Um flashback fez me voltar à sala e recordar essa bela tarde onde David me acarinhava e o seu abraço era sinal de segurança para mim.
-Porque está a ser tão egoísta?
-Egoista?! Egoista?! Estás-me a chamar egoísta?
-Sim, estou. Eu  compreendo o seu amor pelo Benfica mas eu preciso de mudar, de crescer como jogador. Aqui não vou conseguir isso. Agradeço tudo ao Benfica mas… Está na altura.
-Um jogo, uma dificuldade e desistes. Depois eu sou egoísta! – Já estava fora de mim, profundamente irritada.
-É sim! Você está a ser egoísta e sabe disso!
-Vais me chamar mais alguma coisa? Talvez interesseira… Sim. Essa era uma boa palavra!
-Maria… Está a ser complicada. – “Complicada? Eu? Nunca. Apenas egoísta!”, pensei para mim. Já estava farta da conversa, nem sequer me tinha perguntado como estava e eu era a egoísta. Peguei na mala e preparava-me para sair finalmente da casa de David. Ele agarrou-me pelo braço.
-Para onde você vai?
-Embora!
-Maria… - Carreguei no botão do elevador mas estava a demorar muito tempo a chegar. – Você pode parar de carregar no botão? Não vai chegar mais rápido!
-Tu calas-te de uma vez por todas? Eu cheguei nem me perguntaste como tinha passado, o que tinha acontecido. Nada! Preferiste chamar-me de egoísta e falar do teu plano de mudanças! – Continuei a carregar no botão, David não dizia nada e como estava farta daquele silêncio decidi ir pelas escadas. – Que se lixe! Vou pelas escadas. Quando quiseres falar comigo, como um namorado e pessoa racional, liga-me. – Estava não furiosa, que esqueci-me de ligar as luzes das escadas e com tanta pressa, tropecei e acabei por cair. Quando abri os olhos, David estava ao meu lado.
-Maria! O que se passou? Meu Deus, como você está?! Vou chamar já a ambulância. – Voltei a fechar os olhos e não ouvi mais nada.

sábado, 19 de março de 2011

Novembro - Parte I


-Maria, você se está sentindo bem?
-É mais uma tontura. Nos últimos dias tem sido assim.
-Você tem a certeza que quer continuar a estudar? Anda muito cansada, você tem que acalmar.
-Estou bem, estou óptima e feliz e... Falta 2 anos para concluir o mestrado, não me chateeis.
-Muito bem, como você queira. Mas ultimamente, enjoos, tonturas… Começo a ficar muito preocupado.
-Já te disse que estou óptima! Se não melhorar para a semana vou ao hospital, prometo. Agora, tu… Nem sabes como estou, olha para as minhas mãos!! – Tremia imenso. David ia jogar no Porto, embora ele estivesse tranquilo com o jogo (e só preocupado com o meu estado de saúde que não tem andado muito bem), eu estava mais que nervosa. No ano passado, no penúltimo jogo da temporada, o Benfica foi ao Norte do país. Ao chegarem ao estádio, o autocarro foi apedrejado. Um dos vidros chegou a partir, atingindo Aimar, que ia atrás de David. Ora, desta vez ainda estava mais nervosa. Sei bem como são os Portistas, “fair-play” não entra no dicionário deles.
-Não necessita de estar nervosa. Vai correr tudo bem, a gente vai e volta. Num instante.
-É, claro. Estás farto de me dizer isso mas sabes que não resulta. Só vou deixar de estar nervosa quando tu estiveres amanhã aqui em casa, ao pé de mim.
-Você é um bocadinho teimosa, sabia?
-Claro que sim. Agora, tens que te despachar. Já estás um pouco atrasado, não estás?
-Um pouco mas não me apetece deixar você…
-Eu fico bem, para além disso, o Benfica necessita de ti. Luta com tudo, meu amor.
-Vou fazê-lo, você sabe bem.
-Anda, levo-te até ao carro. – David agarrou na sua mala onde tinha alguns objectos pessoais e com a outra mão agarrou na minha. Quando chegamos ao carro, abracei-o, beijei-o e disse as tais palavra que há uns tempos não tinha coragem de dizer, “Eu amo-te”. Ele, respondeu-me também mas com uma frase que me deixava imensamente feliz  “Maria, eu amo você”. Vi-o a partir e não resisti a deixar cair uma lágrima. Agora andava assim, sentimental, com enjoos, sentia-me fraca às vezes e até já tinha desmaiado uma vez. A minha mente dizia que era do cansaço, de não estar habituada a vida de estudante mas eu sabia que era bem mais que isso. Preferia não pensar nisso, não queria pensar que poderia estar novamente com… Não era possível. Fui almoçar à casa da minha mãe, não queria ficar sozinha e ela iria ficar preocupada se eu não aparecesse lá.
-Olá mãe!
-Filha, estás tão diferente! Estás mais gorda...
-Ó... Obrigada mãe, acho.
-Desculpa filha, mas estás. Mais cheinha, as tuas mamas até estão maiores! O que andaste a comer nos últimos dias?
-Nada de mais. O mesmo de sempre.
-E como tens estado? Nunca mais te deu nada?
-Não mãe, tenho estado bem. – Mais uma mentira piedosa, para ninguém se magoar.
-Quando joga o David?
-O Benfica queres tu dizer…
-Tal pai, tal filha. Sim, o Benfica, o clube onde joga o teu namorado.
-É só amanhã. Vão ficar um dia lá a dormir. Onde está o pai?
-O teu pai… Ele foi ao Porto.
-Ele foi onde?!
-O David não te contou?
-O David não me contou o quê? Como é?! Mãe, o que me está a escapar!?
-Então filha, o David, noutra tentativa de conquistar o teu pai disse a ele se não queria ir ver o jogo do Porto. O teu pai, embora não goste da vossa relação, é Benfiquista, então aproveitou logo.
-Como é que eu não sabia nada disto?!
-O David não te contou porque se calhar não te queria preocupar, e o teu pai disse-me que não te iria contar porque sabia que se soubesses que ele ia, também querias ir.
-Eu não acredito! Fui enganado pelos dois homens que mais amo!
-Então espera até ouvires que o teu irmão foi no teu lugar.
-O quê?!!!
-É isso mesmo que ouviste.
-Eu não acredito. Estes homens fazem-me desesperar. – Senti uma leve tontura que começou a tornar-se incomoda. Sentei-me e deixei um sorriso amarelo para não preocupar a minha mãe.
-Que se passa, filha?
-Dor de cabeça, nada de mais.
-Já comeste hoje?
-Já, achas que o David ia-se embora sem me alimentar muito, muito bem?
-Então, que se passa? Disseste-me que estavas melhor.
-E estou mãe. Deve ser fraqueza.
-O melhor é irmos a um médico.
-Mãe… Eu prometo que se não melhorar eu vou a um médico.
-Que teimosa. Pareces o teu pai!
-Sabes que sou um bocado assim.
Durante todo o almoço a tontura em vez de passar, agravou. No final do almoço, bebi um pouco de água e senti um enjoo enorme. Acho que já não sentia enjoos destes, desde… Desde que tinha acabado a quimioterapia. Levantei-me repentinamente e fui a correr para a casa de banho. Vomitei tudo o que tinha acabado de comer. A minha mãe veio logo atrás de mim, preparava-se para ligar para o meu pai, eu disse que não. Não o podia fazer, porque se o meu pai soubesse David também iria saber. Ligou então para Matilde que veio “a correr” logo. Pouco depois já estava no Hospital.
-Então meninas? De volta ao hospital? Não vos queria ver cá tão cedo, quer dizer, nunca mais. – O meu médico era o Dr. Rogério Antunes. Um homem de cinquenta e poucos anos mas muito energético. Uma pessoa sensacional.
-Olá Dr. Antunes. Eu estou bem, só por dizer que… Você sabe como são as mães. Casmurras… - A minha mãe desviava-me o olhar, chateada com o que tinha dito.
-Então mas diga-me, o que se passa?
-Nada de especial, apenas..
-Dr. – Matilde interrompia-me – Ela voltou a estudar, agora anda visivelmente mais cansada. Anda sempre com tonturas, enjoos, já desmaiou uma vez…
-E está mais gorda Dr.. É isso que não compreendo. Come mais, está mais gorda. Quando esta teve com… - palavra proibida que custava a sair – emagreceu bastante.
-Mãe!
-É a verdade filha. Você acha que… - A minha mãe fez uma pausa. Matilde deu-me a mão e a minha mãe fez exactamente a mesma coisa. O médico retirou os óculos e olhou para nós.
-Bem… Situação de recaídas são frequentes mas não posso dar garantias de nada. Precisamos de fazer algumas analises, alguns exames. Mas em principio, será só o sistema a dizer que está cansado. Entretanto, os exames como sabe, só na segunda mas vamos já hoje fazer análises ao sangue.
Bufei, já estava farta de analises, exames, tratamentos. Não queria passar por isso tudo outra vez. A enfermeira encaminhou-me até ao sitio onde se fazia as analises, já sabia onde ficava e até já conhecia a enfermeira. Uma mulher de quarenta anos, cabelos ruivos e com algumas rugas, talvez demais para a sua idade. Tinha um ar melancólico mas era muito simpática. Fiz as analises e voltei para o consultório do médico. Pouco passou quando ele voltou, estranhamente com folhas nas mãos. Não era habitual ser tão rápido. O médico tentava manter uma cara séria mas estava a sorrir, o que me fazia estranhar ainda mais.
-Vocês acham que me deixam falar com a Maria, em particular?
-Sim, claro. Mas porquê doutor? – Perguntava Matilde.
-É um assunto delicado. – Os olhos da minha mãe brilhavam, tudo indicava que faltava pouco para começar a chorar. Matilde levantou-se e agarrou no braço da minha mãe para ela se levantar também. Depois de saírem, fiquei sozinha com o médico. – Então diz-me, como têm sido os teus últimos meses?
-Últimos meses? Então… A maior novidade é que voltei a estudar. Ah, e lembra-se do meu namorado? Passou a ex.
-Passou a ex? Há quanto tempo? Não me tinhas contado isso.
-Há cerca de.. Então, vai fazer este mês, no final, um ano.
-Um ano?
-Um ano, sim senhor. Mas, doutor, porque está a fazer essas perguntas?
-E relações sexuais tem tido?
-Sim…
-E é namorado?
-Mais que sério.
-Muito bem. Para casamento?
-Doutor! Por amor de Deus, explique-me de uma vez por todas! Tenho ou não cancro?
-Você ter, tem alguma coisa mas graças a Deus não é cancro.
-Então o que é? – Na minha cabeça começava a construir-se um puzzle. Lembrava-me das palavras que o médico tinha dito. “Relações sexuais”, ele tinha investido bastante nesta temática. O pequeno puzzle, feito em instantes começava a ficar completo e na minha cabeça só me lembrava de SIDA. – Por amor de Deus, você não me diga que eu… que eu tenho…
-Que está grávida.
-Eu não acredito! Sida! E o que eu faço da minha vida! – Parei naquele momento, acho que aquelas palavras já estavam automatizadas para sair da minha boca, dissesse o que o medico dissesse. – Espere, grávida?!

domingo, 13 de março de 2011

Help please!

Olá meninas. Agradeço imenso o vosso apoio, vocês são uns amores. De facto tenho sido tardia a postar mas prometo ser mais rápida a escrever.
Deixei o meu blog aberto durante uns dias e tive um feedback bastante positivo mas como já escrevi uma fan fic anteriormente sei bem como pode haver problemas em redor do blog. Por isso, pedia a vossa opinião. Deixo o blog aberto ou privado?
Beijinhos *

sábado, 12 de março de 2011

Meses, decisões, mas tu és o meu amor.

 -Rúben? O que estás aqui a fazer?
-Olá Maria. Sr. André, Sra. Maria José, Tiago. – dizia Rúben ao mesmo tempo que cumprimentava a minha família. Estático, o meu pai olhava para Rúben como se nunca tivesse visto um humano antes, só depois reparou que estava de mão dada a Matilde. – Sabes como é o David, quis juntar a família toda. Até a minha mãe está lá em cima.
-Afinal, quantos somos?
-Então, a tua família, a família do David e a mãe da Matilde e a minha. Umas treze pessoas.
Boa, treze, o número da sorte. Ao menos isto vai de mal a pior.
-Vamos subindo então? – sentia a pulsação aumentar, o coração a bater mais forte, como fosse saltar do peito. David estava de camisa e calças de ganga, Isabel com o vestido que comprou e a Dona Regina mais clássica. Parecia um burro quase, com as palas nos olhos, só olhei para David mas a realidade fez com que parasse e ficasse a olhar para aquele homem. Dei-lhe a mão e puxei-o sem dizer uma única palavra.
-Pai, este é o David. David, este é o meu pai, André.
-Boa noite Sr. André, sou o David. É um prazer conhece-lo, por fim.
-Igualmente. - O meu pai não queria dizer igualmente, de facto, quando dizia aquilo era sinal de cinismo completo. Agora sim, o inferno ia começar. Quando nos sentamos à mesa, sucessivas perguntas foram-nos feitas. Como nos conhecemos, onde, quando foi a primeira vez que saímos juntos até que o meu pai faz a pergunta chave.
-E quando ele sair do Benfica, como vai ser a vossa relação?
Fiquei sem palavras, não sabia o que responder. A verdade é que tinha onze pessoas a olharem para mim e uma (David) que também estava na mesma situação que eu.
-O futuro só a Deus pertence.
Sorri para o David, era maravilhoso ter um homem com uma última palavra sábia. O meu pai permaneceu-se no silêncio enquanto eu desfrutava do momento, afinal de contas a família estava junta. No final, David despediu-se de mim com um beijo. O meu pai ficou a olhar para o cenário, nem a conversa com o Rúben Amorim o distraía. Como tinha vindo com o meu pai, voltei com ele.
-O que achas-te do David?
-Sabes filha, custou-me muito que saísses da minha vida por causa de um homem. Desta vez não o irei fazer mas volto a dizer que não sou a favor desta relação. Ele vai-te fazer sofrer.
-Pai, não digas isso à Maria. O David é um bom rapaz.
-Tiago, eu sei o que digo. Ela vai aprender por si própria mas nesse dia não pode vir-se lamentar para minha casa. Eu avisei do que poderia acontecer.
Tentava não chorar mas as lágrimas enchiam-me os olhos. A minha mãe olhava para o meu pai, também não queria acreditar no que ele tinha dito. Ela tinha adorado David. Tiago, que ia ao meu lado no carro, colocou os seus braços por cima dos meus ombros. Levemente coloquei a minha cabeça em cima do seu peito e chorei livremente. Lembrei-me de uma vez que íamos no carro antigo, há mais de dez anos e o meu pai disse-me que não podia brincar com a Matilde. Tiago também estava ao meu lado e eu fiz exactamente a mesma coisa. Era o melhor irmão, estava sempre ali para me apoiar. Levou-me a casa de Matilde e nessa noite tomei uma decisão, ia em frente em tudo o que envolvesse o David.



O tempo voa, as relações ficam mais fortes, o amor maior. Depois de termos sido campeões, choveram propostas por David. Todos os dias, alguém telefonava e interrompia as nossas férias. Tínhamos ido com Matilde e Rúben ao Dubai. Fiquei impressionada com tanta riqueza no mesmo país mas não só, também com tanta pobreza. Uns viviam bem demais, outros não sabiam como viver. Centros comerciais compostos só de ouro e outros materiais, praias de areia branca e com água quente, comida que fazia-me ter imensas saudades da comida portuguesa… Dubai não foi o destino ideal para as primeiras férias com David mas não foi mau. David estava cada vez mais nervoso, a eventual saída do clube deixava-o assim. Quando voltamos para Portugal, David seguiu para o Brasil, eu fiquei em Portugal. David já me tinha pago a viagem para o Dubai, sentia-me mal em ir para o Brasil com ele, embora por muita insistência da sua parte. Os dias passaram, uns depressa, outros mais devagar. Embora já namorássemos há quase sete meses, ninguém sabia nem podia saber. Preferia que tudo se mantivesse assim. Aparecer em revistas, pessoas interceptarem-me na rua, ou olharem para mim.. Não, agora que ia recomeçar a estudar isso não poderia acontecer.




-Tem calma David, tudo se vai resolver.
-Eu estou calmo mas tudo isto… Tenho à cabeça feita em água, Maria. O presidente fala em muitas ofertas, não só boas para mim como para o clube. Não sei o que fazer…
-Meu amor… Mantêm-te concentrado naquilo que realmente gostas de fazer, jogar futebol. Dá o teu melhor e depois pensa nisso… Vai correr tudo bem.
-Só precisava de ouvir a sua voz, você me dá muita força. Obrigada Maria…
-Estarei sempre aqui para te apoiar. – ouvi uma voz de fundo. Parecia o treinador ou alguém da equipa técnica. Já tinha ouvido aquela voz em algum lado.
-Meu amor, vou ter que ir… Amo você, beijo grande.
-Vai lá meu anjo, bom jogo. Amo-te.
David desligou e eu voltei para o meu lugar. Matilde estava comigo, era a minha companhia durante os jogos.
-Então, é só amor entra vocês!!
-Fala, fala mas eu bem vejo as mensagens que mandas. O Rúben está nervoso?
-Que gracinha… Sim, está. Maria, precisava mesmo de falar contigo…
-Sobre…?
-Achas que estás pronta para voltar para a faculdade? É muito exaustivo e…
-Matilde, eu não aguento estar outro ano parada… Estou com saudades de estudar, de estar ocupada, de correr de um lado para o outro! Está na altura de voltar e vai-me saber muito bem!
-Estás mesmo feliz por voltar?
-Feliz? Muito feliz! Estava ansiosa por voltar a estudar! Minha rica Técnica, já sentia a sua falta!
-É impressionante a tua simplicidade – dizia a Daniela.
-Porque achas isso? – Perguntei-lhe, não entendia porque tinha dito isso.
-Porque… Olha, eu nasci perto do Rúben, fomos sempre os melhores amigos, fui das primeiras pessoas a quem ele contou que queria seguir a vida futebolística, apoiei-o e nunca aceitei nada em troca. Há muito tempo que vejo estes jogos, que falo com raparigas, namoradas e conquistas de alguns jogadores e algumas só estão interessadas pelo dinheiro. Elas vendem-se por um pouco de fama. Quando o Rúben contou-me que namorava com a Matilde, fiquei com o coração a mil. Não queria que ele fosse enganado. Eu sei que ele é muito inteligente, mas uma rapariga muito jeitosa é capaz de alterar os neurónios a qualquer homem. Quando a conheci não queria acreditar, estava parva. Ela não percebia nada de futebol, mas cada vez que o Rúben tocava na bola, ela aplaudia. Cada vez que ele sofria falta, mesmo que não fosse, ela gritava e desesperava. Percebi que não era como as raparigas interesseiras, ela embora não dissesse adorava e adora o Rúben. Por exemplo como agora, estou eu para aqui a falar e ela está tão interessada e concentrada a mandar mensagens ao Rúben que nem repara o que estou a dizer, não é Matilde?
-Hã? – respondia a Matilde que regressava do mundo da lua.
-Não interessa, passando à frente. Contigo, é quase a mesma coisa mas tu chegas a ser teimosa. Não queres nada do David a não ser o seu amor. És orgulhosa demais e o facto de ele ter-te oferecido ajuda para ires para uma privada, com melhores condições e tudo mais, tu recusas-te! Preferiste ir para uma pública onde as condições são piores porque não tinhas dinheiro para entrar na privada. Eu não acho isso normal…
-Eu acho muito normal. Sou orgulhosa e odeio quando ele vem com essas conversas de ir para a privada. Ele iria pagar a faculdade e eu não quero isso! Guardei algum dinheiro para pagar a faculdade, para além disso o meu avô deixou dinheiro para eu e o Tiago completarmos os nossos cursos, não preciso da ajuda do David.
-Esquece Daniela, não chegas lá… Eu já tentei, tantas e várias vezes mas não vale a pena. Casmurra como ela é?
-Eu sei que sim…
-Vocês importam-se? Eu ainda estou aqui!
-Pronto, pronto. Já está incomodada.
-Meninas, o Rúben diz que aqui a 5 minutos vai entrar.
Pouco depois, o hino começou, as pessoas levantaram-se, ergueram os cachecóis e as equipas entraram, o jogo ia começar e infelizmente, acabou da pior forma. O Benfica tinha perdido o primeiro jogo em casa depois da ressaca de campeões nacionais. Esperei por David no final do jogo, ele irritado, saiu do balneário e nem sequer me deu um beijo, um carinho, fosse o que fosse. Matilde ficou a olhar para a acção do David, vi-a a olhar para David e Rúben a segredar-lhe algo ao ouvido. Quando acabou, recuou e voltou a beijar Rúben, sorrindo-lhe.
-Preciso de ti.
-Que se passou David?
-Não bastou ter perdido o jogo? Não chega? – Matilde voltava a olhar para David, Rúben desta vez também olhou. Dei um passo para trás e dirigi-me para o carro dele. Não estava à espera de tal resposta. Ele não disse mais nada, nem se despediu de Rúben e entrou dentro do carro. Não me perguntou para onde queria ir, só parou quando chegou à sua casa. Abriu a porta, e foi directo à cozinha.
-David… - passei com a mão no braço dele. Ele virou-se e beijou-me abruptamente. Não sentia amor, nem paixão, nem nada. Só raiva nos seus movimentos. Rapidamente despia-me enquanto eu tentava afastar-me, entre empurrões mas David era muito forte. Dei-lhe um estalo e afastei-o com um empurrão. - Pára!!! - As lágrimas caiam-me pelos olhos, o estalo tinha sido com tal força que David tinha uma pequena ferida no lábio. A minha blusa antiga do Benfica estava completamente rasgada e o soutien no chão. Tapei-me com os braços, não esperava aquele comportamento do David. Não era ele, era outra pessoa. Não me agrediu nem nada, mas o facto e ele estar só a beijar-me por irritação deixou-me de rastos. David, acordou do seu estado, olhou para mim e a seguir pôs as mãos à cabeça.
-Maria… Me desculpe. O que estava fazendo… O que.. – David abraçava-me e beijava-me os ombros. Repetia várias e várias vezes perdão.
-Pshíu… - Agarrei David com a maior força que podia. Olhei para ele, para a sua cara. Os seus olhos estavam vermelhos, a sua voz oscilava e sangrava um pouco do lábio. – Desculpa, eu não…
-Desculpa?! Maria, eu agredi você! – David puxou uma cadeira e sentou-se. Lamentava os seus actos entre os seus braços.
-David! Tu não fizeste nada disso. Foi apenas um acto de loucura. Todos têm isso de vez em quando. Estavas chateado e com razão. Eu talvez é que não tenha agido da melhor maneira. Bati-te… - Beijei-o na bochecha e depois nos lábios. Ele não correspondeu.
-Não te mereço.
-Não digas isso…
-É a verdade.
-E eu amo-te. Isso não vale de nada?
-Vale. Vale tudo para mim.
-Então deixa assim ficar. – Limpei um pouco do sangue que David tinha no lábio e voltei a beija-lo. Agarrei na mão dele e conduzi-o até ao quarto. – Eu amo-te. Quero ser tua.