segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

"Cama? Para quê?"

A noite acabou como tantas outras, eu e a Matilde chateadas. Embora ela quisesse sair, não me apetecia minimamente. A verdade é que ninguém foi sair. Matilde bem que queria sair com aqueles os dois, mas eu queria descansar. Estava cansada e David compreendeu. Ficou do meu lado quando Matilde fazia uma nova investida.
-Anda lá Maria, precisas de te divertir. Vamos todos a um barzinho calmo.
-Não Matilde, já disse que quero ir para casa. Estou cansada.
-É só uma hora!
-Mas eu não quero! Está frio, posso ficar doente.
-Sim, talvez a Maria tenha razão. O melhor é irmos todos para casa. Fica para outro dia. – dizia David, tentando apoiar-me.
-Obrigada David. Vocês vão já?
-Sim, talvez seja melhor. Amanhã temos treino de manhã… - respondia-me David, com um certo desalento na voz.
-Ok, então… Adeus…
Matilde despediu-se deles, embora contrariada e agora ia começar a discussão. Já sabia o que restava.
-Porra Maria!
-Que foi? Eu estou cansada, eles estavam cansados… Não havia nada a fazer.
-Claro que havia. Tu concordares comigo e irmos todos sair!
Preferi nem responder, já sabia como era Matilde. Para ela, tudo era fácil. Mas talvez fossem as nossas diferenças de personalidade que fizessem com que eu gostasse tanto dela. Ela continuava a falar e a resmungar. Decidi então acabar com a discussão.
-Matilde, entende isto, eu estou apaixonada pelo Diogo! Eu amo o Diogo! Não o David. Escusas de tentar empurrar-me contra ele porque nada entre nós irá acontecer. Ele é uma excelente pessoa, super simpático… mas não passa de um amigo. Quer dizer, eu nem posso chamar ao David amigo. Um conhecido… Para além disso, eu estive a pensar e… Preciso de sair de Lisboa.
-Como assim? – para Matilde, tudo o que tinha dito antes tinha sido “apagado”. Parecia só ter ouvido “preciso de sair de Lisboa”.
-Já viste que nunca sai desta cidade? Nunca tive mais do que 2 semanas fora daqui? Preciso de sair, conhecer novas pessoas, novas caras, novos costumes…
-E estás a pensar em ir para onde?
-Coimbra. Acabo lá o curso. Só faltam dois anos e Coimbra é um dos melhores sítios para estudar.
-Achas que resolves os teus problemas assim? Ir para Coimbra? Fugir?!
-Não é isso que estou a dizer. Apenas…
-Apenas nada. Olha, vou para casa. Esta conversa está-me a chatear! Profundamente!
Matilde desceu pelas escadas e preparava-se para sair. Corri atrás dela, ela não podia sair assim, não de cabeça quente. Que maluqueiras podia ela fazer? A casa de Matilde ficava a três quarteirões, ainda um bom bocado mas fazia-se bem. Mas toda a gente sabe como é Lisboa à noite, pode ser muito calma mas também muito agitada. De todas as maneiras, sendo calma ou agitada, era perigoso andar sozinho. Ainda por cima Matilde, que tinha as medidas de uma modelo.
-Matilde! Matilde espera! – Ela continuava a andar, de braços cruzados e sem me responder. – Importas-te de me responder? – Matilde parou e virou-se para trás, ficando à minha espera e a olhar para baixo.
-Tu não podes ir embora. Não agora. Tenho medo Maria. Tu não sabes como é ver-te numa cama do hospital… Tu podias ter… Eu nem consigo dizer a palavra! Nem consigo imaginar como seria a minha vida sem ti! E agora, que te tenho aqui, tu queres ir embora? Não! Não podes!
-Estás a ser egoísta.
-Maria! Sabes quantas noites eu passei no hospital?! Quantas horas eu passei a respirar aquele ar? Quantas vezes eu te levei a comida a cama? Eu terminei a minha relação por causa de ti! Porque ele achava que eu dava mais atenção a ti do que a ele! Agora, tu não podes ir embora! Não podes!
Mordi o lábio, tentando não chorar. A verdade é que Matilde tinha passado muitas horas no hospital, na casa dos meus pais, em todo o lado. Ela estava sempre presente. Bastava dizer e ela vinha a correr. Relembrei todos os momentos de dor e nesses momentos, a imagem era sempre a mesma. Matilde ao meu lado, a agarrar a minha mão e a dizer “Isto vai passar. Eu sei que isto vai passar. Sê só um bocadinho mais forte…”. Afinal era eu que estava a ser egoísta, e não Matilde.
-Sabes, eu posso ser um bocado estranha com isto do futuro. Mas… Eu acho mesmo que tu deves dar uma oportunidade ao David – perante este novo discurso de Matilde, suspirei – Vocês podem ser muito felizes…
-Matilde, fazemos o seguinte, eu prometo não sair de Lisboa mas nós nunca mais voltamos a falar do David. Já chega. David é palavra proibida entre nós as duas, ok?
-Isso não é justo.
-Ou é isto, ou então eu vou voltar a pensar em sair de Lisboa. – Matilde cruzou os braços novamente e virou-se para trás, ao mesmo tempo que “bufava”.
-Ok, ok… Nunca mais voltamos a falar desse…
-Obrigada…


*Amo-te Maria*
Chegamos a casa pouco tempo depois. Zeca, tinha ido de carro mas ainda não estav. Senti o telemóvel a tremer, devia de ser uma mensagem a felicitar.


“Oi, espero que não me tenha enganado no número! Estava pensando se você queria tomar um café comigo amanhã. Beijo, David”
Era tarde, e não estava com vontade de mandar mensagens. Apenas de dormir. Matilde já estava na cama e eu tinha o mesmo destino.
-Sabes o que vamos fazer amanhã?
-O quê?
-Comprar uma cama, para ti. Estou farta de dormires aqui. Não me posso esticar à vontade.
-Por mim. Olha, nem é preciso comprarmos.
-Como assim?
-A minha mãe queria fazer umas alterações em casa, transformar o meu quarto numa sala. Podíamos ir lá buscar a cama, que achas?
-Por mim, achas que cabe aqui?
-É de solteiro, cabe bem.
-Finalmente! Vou dormir sozinha!
-Quando começares a dormir sozinha, vais sentir a minha falta.
-A tua falta? Achas que eu sinto a tua falta? Tu és uma chantagista de primeira! Não sinto a tua falta.
-Está bem, está. Boa Noite Matilde.
-Boa noite feia!
Virei-me para o lado esquerdo da cama e deixei-me dormir a pensar na cara de Diogo no restaurante. Apercebi-me que já não havia volta a dar na nossa relação. Tudo tinha acabado.


*Amo-te Maria*
Acordei com Matilde a despachar-se para ir para a Faculdade.
-Acorda dorminhoca.
-Dorminhoca? Deixa-me dormir!
-Vá, acorda! À tarde vamos buscar a tua cama?
-Estás tão ansiosa de te ver livre de mim?
-Um bocadinho…
-Então não é preciso, o meu irmão hoje está de folga. Ele não se vai importar de me ajudar.
-Estou para ver isso. Beijinhos feia!
-Beijinhos feia. – voltei a encostar a cabeça na almofada. Lembrei-me da mensagem que David me tinha enviado, talvez agora devesse responder.

“Olá David! Não, não te enganei... Por mim podemos, mas só depois do almoço. Tenho uma cama para carregar. Beijinhos!”

Nem sei porque tinha dito “Olá David!”. Pareceu-me cínico e interesseiro ao mesmo tempo. A verdade é que uma saída não iria fazer mal a ninguém. Éramos só amigos e era isso que eu queria dele. Tentei-me despachar o mais rápido possível, mas como o meu pai diz “Mulheres… o chegar a horas para elas é uma hora mais tarde do marcado”. Quando cheguei a casa da minha mãe, já toda a família estava levantada. O meu pai, Paulo já tinha saído para ir trabalhar, a minha mãe estava de roda das flores que estavam na varanda e o meu irmão a comer o pequeno-almoço. Depois de falar com a minha mãe e de sofrer o “interrogatório maternal”, fui para a cozinha onde o meu irmão, Tiago, estava a comer.
-Bom dia pirralha!
-Bom dia velho. – Sempre foi assim e sempre será. Tiago era 7 anos mais velho do que eu, sempre me tratou por pirralha. Embora esta apresentação não fosse a mais querida, Tiago era o meu anjo da guarda e eu tinha sido para ele o maior dos pesadelos. Quando éramos crianças, para onde quer que ele fosse, tinha que me levar também. Primeira regra da família Duarte. Foi assim que parti pela primeira vez a cabeça… Já para não falar das outras vezes que parti a cabeça, quando parti o pulso e da vez em que parti dois dedos. Mas com ele aprendi muitas coisas. Lembro da primeira vez em que parti a cabeça, estávamos no parque de skates e Tiago não me ligava nenhuma. Ele estava com os seus colegas a fazer manobras com o skate enquanto eu estava sentada no banco que lá havia. Um rapaz, amigo do meu irmão, sentou-se a meu lado e perguntou-me se gostaria de aprender a andar de skate. Acenei com a cabeça que sim e ele começou a dizer como se andava. Pus um pé no Skate e o outro no chão. “Agora anda”. Comecei a andar, meio desajeitada mas lá andava. Devia estar no sangue mas até tinha jeito para andar naquilo. Cada vez mais depressa, cada vez mais depressa até que me desequilibrei e caí de cabeça no chão. Tiago veio a correr para me ajudar e lembro-me de tudo o que ele dizia “Estás bem Maria? Olha para mim! Ó meu anjo…”. Nunca Tiago me tinha tratado por anjo, depois de ver o meu estado, pôs-me a seu colo e levou-me ao hospital, onde a nossa mãe era enfermeira. Tiago deve ter levado dos maiores raspanetes no mundo mas responsabilizou-se de tudo e disse que nunca mais ia acontecer. Foi a primeira vez que parti a cabeça e a primeira vez que me senti protegida. Tiago era capaz de ser dos melhores irmãos de sempre.
-Não tens vergonha de estares a comer o pequeno-almoço às dez e meia?
-Que mau tem? Estou de folga!
-Tens 30 anos e ainda vives com os pais.
-Tu sais-te aos 22 e não parece ter dado bom resultado pois não? – Fez-se um minuto de silêncio e só depois Tiago olhou para a minha cara e apercebeu-se da minha tristeza. – Como estás?
-Bem. Estou bem. – fiz uma pausa. Tiago levantou-se e colocou a taça de cereais no lavatório – Não me queres ajudar?
-No que?
-Em levar a minha cama para a casa da Matilde…
-Para quê?
-Estou a viver lá agora.
-Porque não voltas para casa?
-Voltar a viver aqui? Tu sabes bem como foi a minha saída desta casa. O pai nunca mais voltará a perdoar-me e eu nunca mais voltarei a viver aqui.
A saída desta casa, da minha casa. Foi mais complicada do que eu alguma vez pensava. A verdade é que o meu pai não estava a espera. Ele sempre foi muito rígido e a filha sair de casa aos 22 para ir viver com o namorado, foi das piores coisas que lhe aconteceu. “Podes sair, mas nunca mais voltas a entrar”. Lembro-me destas palavras, naquela altura encheu-me de raiva, depois de tristeza e agora… Nem sei bem o que sentia, ou tristeza e pena ao mesmo tempo talvez. Se pudesse voltar atrás talvez desse um abraço ao meu pai e fica em casa.
-Tens razão. E como levamos a cama para a casa da Matilde?
-Com o teu carro!
-Estás a gozar?! O carro é novo! Não vou levar aquele trambolho no meu carro!
-Então, levamos o carro da mãe.
-Por mim… - Fomos ao sótão e começamos a desmontar a cama. Estava como nova. O colchão é que tinha que ser novo, já estava velho e muito tinha acontecido aquele colchão. Ao descer as escadas senti o meu telemóvel a tremer. Era uma mensagem, das duas uma, ou era Matilde ou então Diogo com umas das suas mensagens de perdão.

“Quer ajuda com a cama? Eu posso ajudar! E como é que você está? À tarde eu não posso, tenho treino. Mas pode ser à noite, às nove e meia?”
Uma ajuda até nem vinha mal agora, estava farta de carregar coisas. Mas não podia, que abuso de confiança. Em vez disso respondi afirmativamente ao seu convite.

“Não é preciso, obrigada ;) Ok, nove e meia então. Onde vamos? Ah! A Matilde não pode saber de nada!”
Voltei a descer as escadas, nas minhas mãos estava a última parte da cama.
-Bem, já está tudo.
-Sim, vamos lá montar isto à casa da Matilde.

8 comentários:

  1. Quero mais... quero esse café :P

    Continua...está cada vez melhor :D

    Beijinhos

    catysilva

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  2. quero mais...

    entao acabas assim na melhor parte...

    posta mais hoje, por favor...

    continua...

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  3. Bem esta é a primeira vez que comento,sabes que as vezes nao tenho tido muito tempo.Mas AMO esta fic!
    So podia ser escrita por ti linda,ja te disse que devias ir para escritora :P
    Adoro-te rapariga :)

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  4. hmm, este café promete, estou ansiosa!

    Adoro a fic e a autora tbm!! :D
    Beijinhos.

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  5. Acabar logo na melhor parte :D quanto mais se lê mais se quer ler... Quero ver este encontro....

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