terça-feira, 22 de março de 2011

Novembro - Parte II

O meu coração acelerou, as minha pernas tremeram. Senti uma vontade enorme de fugir dali.
-Maria, está-se a sentir bem?
-Desculpe, você disse grávida?
-Sim, grávida. É motivo de felicidade.
-Não. – A respiração tornou-se ofegante – Por favor, não diga a ninguém. Ninguém pode saber disto.
O médico, meu consternado com toda a situação acenou com a cabeça. Não entendia o porquê da minha reacção. Nunca fui de fugir a problemas. – O que vai dizer à sua família?
-Diga qualquer coisa. Diga que preciso de uma semana de descanso, que isto era um esgotamento nervoso.
-Muito bem… - O médico permaneceu em silêncio mas de seguida, não resistiu a perguntar. – Maria, se a relação é séria, porque não quer o bebé?
-Tenho medo. – O médico sorriu e voltou a discursar.
-Um filho é uma grande responsabilidade mas para uma pessoa como a Maria, que já lutou contra o cancro…
-O meu filho pudera ficar sem a mãe a qualquer momento. O meu filho terá uma vida complicada, eu nunca conseguirei amamentar o meu filho.
-E o que pensa fazer? Abortar?
-Não. Não sou capaz. É a vida de uma pessoa que está dentro de mim.
-Maria… Esse seu filho vai nascer feliz, e vai ter muita sorte em ter uma mãe como você. Não pense assim.
-Obrigada Doutor. Pode-me receitar alguma coisa para os enjoos?
-Posso arranjar-lhe algo muito de leve. Não pode tomar coisas que influenciem a saúde do bebé.
-Sim, claro.
-Não se esqueça. O seu sistema imunitário não está a 100%. Qualquer problema, físico ou psicológico pode deita-la a baixo.
-Eu sei doutor. – Passou-me uma receita médica e a minha mãe voltou a entrar dentro do consultório. Explicou-lhe que a vida de estudante era muito complicada para uma pessoa que tinha sofrido de cancro, que precisava de tempo para recuperar. Voltei para casa, com um sorriso amarelo. O David ligou-me três vezes, não lhe atendi nenhuma. Pedi a Matilde para falar com ele, para lhe dizer que estava doente mas que já tinha ido ao hospital. Em vez de melhorar a situação, tudo isto fez com que David ficasse ainda mais preocupado. Ele sabia muito bem que não era por causa de uma constipação que ia parar. O dia passou e quando acordei de manhã, não resisti em olhar para o espelho. Vi a minha barriga, que embora pequenina, já se notava. Parecia uma gordurazinha pendurada na barriga mas era uma vida. Uma vida que estava a nascer dentro de mim.
-O teu pai… O teu pai é o David. Ele joga para o maior do mundo. A tua mãe… É uma rapariga citadina normal. Tive alguns problemas durante a minha vida mas quem não os teve? Quero que sejas feliz, quero que sejas uma criança normal. Não quero pressões sobre ti. – Fiz uma curta pausa, as lágrimas já me escorriam pela cara – O que faço? Digo a verdade ou escondo-a de todos? – Ouvi a minha mãe a bater a porta. Rapidamente puxei a camisola para baixo e limpei as lágrimas.
-Maria, já estás acordada?
-Sim mãe. E já me sinto melhor. Vou agora tomar um banho, já vou ter contigo.
-Tens a certeza que está tudo bem?
-Está tudo óptimo. – Evitei o contacto visual, os meus olhos estavam vermelhos e ela sabia que eles só ficavam assim por andar a chorar. Hoje, tinha acordado com algumas dores no corpo. Nas costas, nas pernas. Não era habitual. O médico tinha-me dado uns comprimidos muito leves contra tonturas e enjoos. Matilde tinha dormido na casa da mãe dela, qualquer coisa bastava subir um andar. David voltou a ligar e desta vez atendi.
-Maria, que se passa? Está tudo bem? A sua mãe ligou para o seu pai e disse que você tinha que estar de repouso. O que se passa, conta para mim… - David falava tão rápido que até era complicado perceber as palavras que ele dizia.
-Calma… Não posso falar por aqui mas não te preocupes, está tudo bem. Foi só cansaço.
-Se foi só cansaço, porque não pode falar logo? – David percebeu algo de errado na minha voz.
-Porque… David, preciso de ter uma conversa séria contigo, mais nada. Mas agora pronto, já chega. Diz-me, como está a correr a visita ao Porto com o meu pai?
-O seu pai está bem, o seu irmão está um bocado de parte. Ele diz que é muito vermelho para ele mas o seu pai está adorando. Principalmente porque pode falar com o Shéu. Se você visse, o Shéu adora seu pai, eles fartam-se de falar de coisas muito antigas que ninguém se lembra. Nem o próprio do Rui Costa acredita?! Há coisas muito lindas na história do Benfica e nenhum de nós sequer imaginava.
-Uí… Vocês devem estar a receber lições de história como o meu pai me dava. Ele obrigou-me a ver os jogos da Champions dos anos 1961 e 1962, sabias?
-Ele já contou aqui a gente. Disse que você ficou muito chateada por estar a ver jogos a preto e branco mas que, quando era golo festejava como se fosse nos jogos de agora.
-É… Ele tem razão até.
-Ele tem muito orgulho em você, na pessoa que você se transformou, na Benfiquista que é.
-Eu sei. Quase tudo graças a ele. Agradeço imenso por ter  um pai como ele.
Passamos mais meia hora a falar, o tempo com David não era problema. Passava, passava e passava sem darmos por nada. Só desligamos porque ele tinha que ir almoçar e provavelmente não iria voltar-me a ligar. Fiz o mesmo que David e fui também almoçar. Éramos só as duas, já não me lembro da última vez que almocei a sós com a minha mãe. Depois do almoço, voltei-me a deitar e só voltei acordar quinze minutos antes do jogo. Agarrei no telemóvel e apressei-me a escrever.

“Amo-te David, lembra-te sempre disto. Há coisas que nunca mudam.
Boa sorte para o jogo.”

Demorou um pouco até chegar a resposta mas a sete minutos do inicio do jogo, David respondeu.

“Também te amo Maria, espero que a nossa relação nunca mude. Estou muito preocupado com você… Tenho um pressentimento que o jogo não vai correr bem. Beijo grande, te amo.”

As lágrimas voltaram-me a cair da cara, não sabia bem porquê. Talvez fosse o meu lado sentimental a chamar. Mandei-lhe outra mensagem.

“Eu estou bem, estou óptima. Não te preocupes comigo. Se jogarem com coração e amor ao emblema que têm na camisola, vai correr tudo bem. Lutem com garra, sintam a mística. O Benfica é mais que um clube, é uma religião. Se caírem, levantem a cabeça e não desistam. Continuam a lutar! Só assim irão conseguir o vosso objectivo.”

David não me respondeu mais, o jogo deu-se e o pior construiu-se. Tentei ligar-lhe, vezes e vezes sem fim mas a resposta era sempre a mesma, “Chegou ao voice-mail de…”. Preocupava-me esta reacção de David. Quando já eram perto das quatro da manhã ainda estava acordada, há espera de qualquer resposta, fosse o que fosse. Tentei ligar-lhe mais uma vez antes de me ir deitar. Aí, David atendeu.
-Amor… Estava tão preocupada contigo. Como estás?
-Maria, não me apetece falar agora. Cheguei à casa e estou cheio de fome. Amanhã a gente pode falar?
Aquela ignorância de David deixava-me pasmada. Compreendia o porquê de David estar assim, e se não compreendia mas não estava à espera que fosse assim tão abrupto.
-Sim, claro. Amanhã falamos. Beijinhos, amo-te.
-Até amanhã. – E desligou-me o telemóvel. Sem mais nenhum tipo despedimento. Apenas com um “Até amanhã”. Pouco consegui dormir nessa noite, acabei por acordar às seis da manhã sobressaltada. Um pesadelo tinha-me assustado bastante, estava transpirada e a respiração era rápida e irregular. Era demasiado cedo para sair de casa, ou até para ir ter com David. Esperei até às oito da manhã, quando Matilde começou-se a mexer. Tomei um pequeno almoço com ela e depois de sair, saí eu, para ir ter com David.
-Bom dia, abres-me a porta da tua casa? Precisamos de falar.
-O que está aqui fazendo? Eu ia ter com você… Mais logo.
-Precisamos de falar agora. – Respondi-lhe. Pareceu-me que queria esquivar-se à conversa. A porta abriu passado uns segundos e eu desliguei a chamada. Quando cheguei ao andar de David, ele esperava-me à porta de boxers.
-Bom dia meu amor. – Disse-lhe. Dei-lhe um leve beijo nos lábios e fui igualmente correspondida. Já passavam das dez horas, não podia resmungar de ser tarde. Tinha-me atrasado pois tinha ido buscar um pequeno-almoço para ele. – Tenho pão quente e croissants. O que vais querer? – Entrei directamente para a cozinha, sem pedir licença. Esperava um pedido de desculpas mas David manteve-se silêncio. Apenas respondia como queria o seu pequeno-almoço. Quando estava já farta daquelas respostas apáticas, parei de cortar o croissant e voltei-me para ele. Respirei bem fundo para não arrebentar de fúria. – Não tens nada para me dizer?
-Sim, até tenho. Tomei uma decisão.
-Decisão? Que decisão?
-Vou sair do Benfica. Está na altura. O Chelsea tem uma boa proposta por mim, eu já não ajudo a equipa, não sinto que estou a dar 100% à equipa. É altura de ir.
Da minha boca nada mais saiu. Voltei-me para a bancada da cozinha e continuei a fazer o croissant misto que David me tinha pedido. Fazia força para não chorar, não queria acreditar que David me tinha dito aquilo. Uma derrota e ele queria sair do clube. Um ano mal agendado, uns obstáculos colocado no percurso e David estava a desistir. O que iria fazer ele em relação ao nosso filho?
-Maria, se eu for… Você vem comigo?
As palavras de David caíram que nem uma bomba. Ir com o David agora, fosse para onde fosse era impossível. Enquanto há bocado tentava não chorar, agora era impossível. As lágrimas vertiam dos meus olhos sem pedir licença. David pôs-se do meu lado e agarrou-me de forma intensa, na verdade só conseguia sentir a força, nada de segurança.
-Tu não podes fazer isso. – Fiz uma curta pausa. Nem sabia o que dizer. Não poderia dizer que ele iria ser pai e tinha que ficar em Portugal por causa disso, não. Tinha que entrar de uma forma mas bruta, agressiva, demonstrar a David como ele estava errado. – E há mínima dificuldade, foges? Este clube… Deram tudo por ti e tu bem que disseste isso. Tens feito jogos dignos de jogadores de terceira divisão. Até o Fábio Júnior passa por ti, na Luz! Não sei o que se passa mas é a verdade e eu não posso esconder mais a verdade. Se tivesses noutro clube, como esse Chelsea, que dizem ser um grande clube mas eu acho uma grande merda, até marcavas golos. O que se passa? O que mudou do David do ano passado para o David deste?
-Você só pode estar gozando. Eu dou tudo por tudo em campo! Também tenho o direito de crescer como jogador, de jogar em outras ligas e de ter possibilidades de ganhar a Champions. Aqui no Benfica não posso ganhar a liga dos Campeões, no Chelsea… - Nem o deixei terminar.
-Sabes porque raio no Benfica não podes ganhar a Liga dos Campeões? Porque os jogadores têm essa mentalidadezinha da treta. “Benfica foi um grande clube, agora é um grande clube de Portugal”. Benfica é, e será sempre um grande clube. E sabes que mais? O Chelsea é um clube que não tem grandes possibilidades de ganhar a Liga dos Campeões. A Liga dos Campeões é só para os melhores clubes da Europa.
-E me vai dizer que o Chelsea não é dos melhores clubes da Europa?
-Não! Por amor de Deus, têm um Russo gordo e multimilionário e dar os milhões que quiserem ao clube e ainda só ganharam três ou quatro campeonatos nacionais… Para mim, esse clube é digno de um quinto lugar. O dinheiro dava-se a instituições de caridade, muito melhor.
A conversa tomava agora outras proporções, a voz calma agora era irritada, irónica e às vezes alta demais.
-Você sabe o quanto eu quero iniciar aquele projecto no Brasil. Com o dinheiro que ganho no Benfica não dá. Preciso de ir para outro clube, de crescer, de… De ganhar mais coisas do que ganho aqui. No Chelsea nunca ia perder contra o Porto!
-Se jogassem todos tão bem como jogaram ontem contra o Porto, “Oh darling, yes!” – Dizia, imitando um filme antigo que tinha visto na passada quarta, com David. Era romântico. Um flashback fez me voltar à sala e recordar essa bela tarde onde David me acarinhava e o seu abraço era sinal de segurança para mim.
-Porque está a ser tão egoísta?
-Egoista?! Egoista?! Estás-me a chamar egoísta?
-Sim, estou. Eu  compreendo o seu amor pelo Benfica mas eu preciso de mudar, de crescer como jogador. Aqui não vou conseguir isso. Agradeço tudo ao Benfica mas… Está na altura.
-Um jogo, uma dificuldade e desistes. Depois eu sou egoísta! – Já estava fora de mim, profundamente irritada.
-É sim! Você está a ser egoísta e sabe disso!
-Vais me chamar mais alguma coisa? Talvez interesseira… Sim. Essa era uma boa palavra!
-Maria… Está a ser complicada. – “Complicada? Eu? Nunca. Apenas egoísta!”, pensei para mim. Já estava farta da conversa, nem sequer me tinha perguntado como estava e eu era a egoísta. Peguei na mala e preparava-me para sair finalmente da casa de David. Ele agarrou-me pelo braço.
-Para onde você vai?
-Embora!
-Maria… - Carreguei no botão do elevador mas estava a demorar muito tempo a chegar. – Você pode parar de carregar no botão? Não vai chegar mais rápido!
-Tu calas-te de uma vez por todas? Eu cheguei nem me perguntaste como tinha passado, o que tinha acontecido. Nada! Preferiste chamar-me de egoísta e falar do teu plano de mudanças! – Continuei a carregar no botão, David não dizia nada e como estava farta daquele silêncio decidi ir pelas escadas. – Que se lixe! Vou pelas escadas. Quando quiseres falar comigo, como um namorado e pessoa racional, liga-me. – Estava não furiosa, que esqueci-me de ligar as luzes das escadas e com tanta pressa, tropecei e acabei por cair. Quando abri os olhos, David estava ao meu lado.
-Maria! O que se passou? Meu Deus, como você está?! Vou chamar já a ambulância. – Voltei a fechar os olhos e não ouvi mais nada.

12 comentários:

  1. Adorei!
    Ta lindao!
    Beijinho

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  2. maravilhoso...

    quero mais...

    continua...

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  3. Catarina isto não é o que eu estou a pensar pois não?
    Não não pode ser :O logo agora!
    Vá e se lá boazinha e deixas o David a jogar no Benfica :D
    Bem o capitulo está lindo, lindo tal como todos os outros não é? :)

    ADOREI

    Beijinhos Inês**

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  4. Que lindo!
    Adorei!!!
    Quero mais depressa!
    Beijinh

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  5. amei a tua fic... tens muito jeito! continua, sim?
    quero mais e rapidinho...
    beijocas,
    My Love 14

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  6. Oh o david ate nas fics se vai embora :(
    Adorei o capitulo!
    Mesmo giro!!!
    Quero mais!
    Beijo

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  7. Oh bolas! Só agora é que vi que ainda não tinha comentado! (lol)
    Está muito bom e eu quero mesmo sabe o que vai acontecer... e não queria nada que ele se fosse embora...
    Fico à espera de um novo capítulo que, tenho a certeza, nos vai surpreender!
    Kiss

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  8. Eu toda contente, agora que ela estava gravida vai ser só love. Mas não menina arranja sempre sarilhos. xD

    A discusão está fantastica, a Maria até tem razão.

    Olha menina Catarina Sofia se esta queda tiver consequencias graves eu esfolo-te!! xD Por acaso não esfolo, mas vê-la o que é que fazes!!

    Adoro a fic, adoro a autora da fic, beijinhos**

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  9. Adorooooo ! ♥

    Continua :)

    http://diariodeumapopstar.blogspot.com/

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  10. OH MEU DEUS, E EU A PENSAR QUE JÁ TINHA COMENTADO! :O
    OLHA FAZES-ME A MARIA CAIR ? LOGO AGORA ? :O

    NÃO FAÇAS AQUILO QUE EU ESTOU A PENSAR!! NÃO PODES :OO

    Mas tirando isso, tá lindão *.*
    Saudades Catarina*

    Beijão @

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  11. acabei de ler! :D yeeey ahah
    tá lindo, a sério, adorei! conseguiste-me prender durante horas ao monitor, ainda bem qe tou em férias :p
    qero ler mais e mais e mais e continua por aí fora!
    beijinhooos

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